"There are many things that I would like to say to you..." (Oasis)
Vivia um momento tenso, de uma apatia quase
completa. Então, resolveu buscar respostas começando por onde acreditava ser
mais sensato. Adentrou aquele ambiente, de maneira calma e discreta. Foi gradualmente
girando o olhar, para que pudesse notar os detalhes de cada uma das pessoas ali
presentes.
Em certo ponto, um estalo. No momento em
que seus olhos a avistaram, sua intuição alertou do risco de problemas futuros.
Conhecia tão bem o que lhe encantava que, mesmo esquivando, não conseguiu
evitar a delicadeza daqueles traços. Sua avidez em experimentar e proporcionar,
já sinalizava trabalhar questões que, há muito, havia se esquecido de viver.
Mas cada história é escrita a seu tempo. O
relógio fez tic-tac, uma, duas, várias vezes. Lentamente deu tantas voltas, que
ele já nem mais esperava. Então, tempos depois daquele grande hiato, quando até
ele mesmo estava próximo de compreender o silêncio do seu eu, aquela voz
sutilmente ecoou em seus ouvidos outra vez.
Aquele momento afetou tanto a sua percepção
quanto os outros cinco sentidos. Em dois tempos ficou inebriado pela meiguice com
que ela se expressava. Seus olhares já não conseguiam mais se camuflar entre
uma ou duas frases trocadas. Sua bússola já não lhe apontava mais a direção, e sem
saber que caminho seguir, apenas se deixou perder...
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.
"This is real, this is as good as it gets..." (The Feelers)
Fechou os olhos. Mergulhou na imensidão das
suas memórias em um labirinto de sensações, aqui indescritíveis. Voou para um
lugar onde já tinha estado. Sentiu os cheiros, a brisa, a temperatura e
apreciou o visual.
Sentou-se no cume do Monte Éden, ao lado da
cratera daquele extinto vulcão. Lá do alto via todo aquele magnífico constructo
de ruas e prédios com contornos de mar. O verde presente em cada esquina
tornava quase visível a pureza do ar.
Seguiu seu caminho através das trilhas dos
enormes parques, apreciando cada detalhe da natureza. A beleza das flores e
plantas entorpecia o pulsar do seu coração. O vento Pacífico já não mais se aquietava e insistia em soprar mais e mais frio.
Finas gotas de chuva começavam a molhar seu
rosto. Relaxado e feliz continuava caminhando e agradecendo a Deus por estar
ali. Sim, os seus pensamentos conseguiram lhe conduzir a um estágio de paz. Momento que ele
queria, apenas, viver.
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.
“Kiss me where your eye won't meet me, meet me where your eye won't flip
me…” (Franz Ferdinand)
Naquele momento, uma dose de esperança. Talvez
duas, ou quem sabe três! Em um lapso de atenção por puro descuido, foi se deixando
envolver naquela conversa sutil e doce. Em dois tempos, já prestava bem mais
atenção nas nuances da interlocutora do que em suas próprias palavras.
A troca de idéias fluía interminavelmente.
Os olhares, um tanto menos tímidos foram encontrando-se cada vez mais. A cada
palavra proferida, sentiam-se mais à vontade, como se tudo aquilo fosse apenas reflexos
de um dia comum, na segura companhia de alguém que já se conhece bem.
Leves toques, como o vento à beira-mar.
Seus olhos já não mais procuravam apenas o encontro com os dela. Por vezes,
derrapavam delicadamente alguns centímetros abaixo e conduziam-no a uma viagem atemporal
desejando aquela boca. Conseguia em seus pensamentos, sentir o gosto do beijo
que não iria roubar.
A respiração já ficava tensa, variando em
ritmo e intensidade. Seu cérebro pedia foco e seu coração, ação. Em um dueto repleto
de contrastes vocais, cada um cantava a música no tom que lhe cabia. O fato é
que, mesmo em uma evidente harmonia, esperou que novas oportunidades lhe guiassem a
escorregar, quem sabe, outra vez.
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.
Postado por
Abaixo do Radar
,
00:24
“Rotating wheels of destiny inflame the city lights." (Propaganda)
Era uma noite de setembro, o relógio
marcava algo entre sete e oito, não tinha certeza. Estava tomado pela sensação
das coisas boas que estavam por acontecer. Tomou o controle do volante e saiu
pela cidade sem rumo, mas sabendo onde queria chegar.
No meio do caminho, encontrou-se com seus
pensamentos. Deixou que a música o envolvesse de modo a apresentá-lo
questionamentos sobre o quê, o quando e o se. Resolveu trocar de faixa, mas não
se esqueceu de sinalizar a mudança.
As paisagens que ficavam para trás passavam
despercebidas. Os reflexos do retrovisor se transformavam em imagens tão belas
quanto as que agora construíam sua imaginação. Relaxou e permitiu que a sutileza
tomasse conta de si.
Quando o amarelo foi predominante, preferiu
ter atenção. Lembrou-se que passada a vez do vermelho, o verde sempre brilha outra
vez. E sabia que, se mantivesse a fé, o destino ou as luzes da cidade se
encarregariam de todas as respostas.
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.
“Down by the water and down by the old main drag…” (The Decemberists)
Ela tinha os olhos castanhos, o cabelo
dourado e o comportamento oscilante, típico do início da fase adulta. Um dia
quente, um dia fria, entre linhas e linhas jurava que não mais acreditaria nas
histórias que ouvia.
A pele, bonita e macia, contrastava com a
dureza na expressão de quem estava magoada e ferida. Amar nunca foi das coisas
mais simples e ela ainda estava aprendendo. Aquele olhar marejado, combatido
com palavras secas, nada escondia.
Ele tinha os olhos cansados, as mãos
quentes e algumas experiências a mais. Já havia vivido vários cenários do jogo
e aprendido a ganhar e perder. No meio desses percursos percebeu que, na vida e
no amor, o importante é no que se acredita.
Ouviu dela as mágoas e desconfianças que
apertavam aquele coração jovem e inseguro. Ao olhá-la nos olhos, apenas acolheu
suas dores. Dores que só precisavam fluir como as águas de uma
corredeira. E se precisasse de um colo, o dele estaria ali.
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.
"Ain't thinking about monday or tuesday or wednesday it's all right..." (The Underdog Project)
Era uma segunda chuvosa, daquelas em que a
nostalgia incita uma boa música e um bom vinho. Enquanto a noite caía, vinham
juntas as lembranças do que ainda nem tinha acontecido. Entre as combinações
matemáticas e químicas que a vida lhe ensinara, ainda não havia
encontrado a fórmula que desse o resultado desejado.
Era uma segunda ensolarada, daquelas em que
a agonia incita um ar-condicionado, uma rede e um bom livro. Enquanto o dia
seguia, fortalecia a certeza de que as coisas seriam mais leves. E ao acelerar
os pensamentos, somatizava a ansiedade por acreditar que estava cada vez mais
perto da chave do enigma.
Era uma segunda, apenas uma dentre tantas
que viriam. Uma a mais ou a menos, dependendo do ângulo de quem vê. Para ele,
apenas um contínuo recomeço e uma nova chance de encontrar a passada
correta. No final, sobrava aquela porção
de intuição que lhe dizia para continuar na mesma direção.
Era uma segunda, mas poderia ser uma terça
ou sexta. Ainda que fosse assim, não deixaria de ser parte de um todo. No
fundo, não lhe importava a ordem. Mesmo sabendo que a primeira não mais seria,
continuaria zerando a contagem a cada nova tentativa. E seguiria tentando,
acreditando e observando.
*Da série Sobre: a vida, recortada em
detalhes.