sobre os devaneios…

Postado por Abaixo do Radar , segunda-feira, 18 de abril de 2011 01:50

“Sometimes living out your dreams, ain’t as easy as it seems..." (Des’Ree)

Era uma noite qualquer, depois de um dia cansativo. Não, o cansaço não era apenas físico. Havia todo um complexo contexto por trás de cada uma de suas idéias. A angústia que lhe assustava a ponto de duvidar de sua própria intuição, continuava a apertar-lhe o peito. Respirava com dificuldade, talvez pela falta de espaço.

Em um ou dois tempos, reviveu algumas experiências similares. Chegou a sentir cada detalhe. Lembrou-se, inclusive, do que não havia vivido, mas sequer questionou se isso seria possível. Ainda assim, intuiu que para determinados assuntos, exige-se uma dualidade de papéis que vai da frieza de um matador de aluguel à doçura de um pianista.

Não importa! A vida é um eterno treinamento, que nos prepara enquanto segue. Tudo o que ele haveria de aprender ou aprimorar, seria feito ali, na prática. Como crítica, sempre ouvia que deveria se arriscar mais em fazer as coisas de maneira mais impulsiva. Ao mesmo tempo teciam elogios sobre a sua capacidade estratégica. A vida é, de fato, um devaneio.

Então, imerso em sua capacidade imaginativa, voltou-se a buscar a raiz de suas inseguranças. Percebeu que, em partes, ele mesmo era o culpado. Ainda que escolado, insistia em oferecer a outra face. Sentia-se, de certo modo, traído por sua essência. Entretanto, embora houvesse muito a questionar, não tinha mais tanto tempo a perder...


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre as partidas…

Postado por Abaixo do Radar , sábado, 19 de março de 2011 12:04

“I'm on a mission and it involves some heavy touching, yeah! You've indicated your interest..." (Lady Gaga)

Deu dois passos para a esquerda e a colocou em uma posição de entrega. Não havia muito que fazer e se ela desse um passo a frente, teria que ceder. Embora não fosse o que vislumbrava, observou bem o cenário e percebeu que já não restavam alternativas. Deu o passo a frente, entregou seu peão e perdeu a partida.

Baixou a cabeça com um ar desanimado de quem havia deixado a vitória escapar por um mero detalhe. Embora ambos se considerassem bons jogadores e ela tivesse no sangue a convicção de que o venceria, o resultado frustrou suas expectativas. Todos os bons jogadores reconhecem o potencial que têm e ela não seria diferente. Em seus olhos, notava-se o efeito daquela jogada.

Enquanto esperava que fosse vítima da zombaria por parte do vencedor, foi surpreendida com um gesto. Sentiu que ele havia delicadamente posicionado a mão direita sob seu queixo, levantando seu rosto e beijando-lhe a testa. Olhou para cima com o olhar desconfiado de quem não compreendia porque ele havia escolhido assim. Ele foi embora.

Preferiu repensar e deixá-la pensar se lhe seria oferecida uma oportunidade de revanche ou se faria que ela percebesse que o intuito do jogo não era apenas o de ganhá-la. O certo é que ele queria ter provado bem além daquela promissora fusão de corpo e mente. Sabia que ambos jogam para ganhar e deixou o tabuleiro ainda montado à espera, apenas, da próxima partida...


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre o prazer…

Postado por Abaixo do Radar , sexta-feira, 11 de março de 2011 12:54

"You can't stop me cause once I start it…” (Black Eyed Peas)

Era época das chuvas e a meteorologia já havia previsto aquelas tradicionais “pancadas” no final da tarde. Quão estimulante seria ter mais um dia comum para aquela época do ano. Mas ele sabia que havia uma hierarquia na natureza e que controlar o tempo não era da sua alçada. Entretanto, poderia contorná-lo.

Em uma explosiva mistura de desejo e carinho, beijou-a de forma lenta aproveitando cada segundo para chegar aonde ambos queriam. Entregaram-se aos sabores, cheiros e toques que surgiam e aos estímulos causados pela temperatura de suas peles. Aos poucos foram libertando-se instintivamente daquelas vestimentas que, naquele momento, mais pareciam algemas.

Lembrou do que havia pensado sobre contornos quando se perdia em cada uma das sinuosas curvas daquele belo corpo. Suavemente, deslizou suas mãos por todos os recantos e encantos daquela mulher, beijando-a por completo até alcançar a forma que o faria escutá-la clamando por prazer, sem que mencionasse uma palavra sequer.

Eles já sabiam que o sexo fluiria com uma naturalidade quase musical, na troca de posições como expressivos acordes e na harmonia de cada toque, movimento e gemido. Alcançaram os níveis mais intensos nesta viagem à Hedônia. Então, abraçaram-se transmitindo a continuidade daquele calor que os levaria a pedir por mais. Se assim foi ou assim será é o que nos resta imaginar...

*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre as quadrilhas…

Postado por Abaixo do Radar , quarta-feira, 9 de março de 2011 15:35

“Be yourself and live for the moment, dance if you cannot dance…” (Alter Ego ft. Daisy Dee)

Era um tanto peculiar o jeito que haviam se conhecido. Lembrava um trecho de uma velha quadrilha, que aos mais incautos passaria despercebido. Não importa, havia ali uma reciprocidade, ainda que a nível inconsciente, que os mantinha conectados entre laços e fitas de ornamentação.

Nem tudo que reluz é ouro e nem todo sapato é de couro, já diziam nossos avós. Desse modo percebemos a cada tombo que nem sempre os enfeites brilham ou resistem da forma devida. E, assim, a dança se desfaz com desfechos tão improváveis, ora aproveitando a dança dos personagens, ora convocando-os a novos papéis.

Não era intencional, mas brincavam com uma habilidade de fazer inveja aos amantes mais calientes. Em uma ou duas horas de conversa, alternavam facilmente entre a contramão ou o trafegar por vias de mão-dupla. A dualidade de sentidos em cada palavra, certamente faria de cada encontro, uma oportunidade de arrancar, no mínimo, um sorriso.

Eram capazes de dividir um lanche com a mesma simplicidade que falavam sobre sexo. Poderiam falar acerca das concepções do homem ou a rodada de futebol do fim de semana. Embora compreendessem a norma social vigente, faziam o tipo de não se prender totalmente a elas. Destarte brotou-lhes insights e ensaios sobre o conceito de benefícios...

*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre as circunstâncias…

Postado por Abaixo do Radar , sábado, 5 de março de 2011 12:41

“You smile, mention something that you like..." (Franz Ferdinand)

Em suas roupas escuras e semblante tranqüilo, ela adentrou o ambiente de forma educada e discreta. Notava em seu ar blasè, quase em P&B, que era uma mulher inteligente. Não fazia o tipo que falava muito, mas escrevia por demais e não temia olhá-lo nos olhos. Por vezes, já havia se dado conta de que essa combinação costumava despertá-lo.

Com sua habilidade adquirida, já havia enriquecido seu portfólio de ações com a sociabilidade e, de maneira simpática, desejou uma boa noite. Esbanjando sutileza, recebeu de volta o cumprimento e de brinde ganhou um sorriso. Observou desnorteado cada um dos passos dela cruzando todo o ambiente, a procura de seu lugar.

Ainda que não fosse a mais atraente, ele não fazia qualquer questão de se deixar dominar por conceitos estéticos. Tentava dialogar com seu “eu”, para saber se aquilo que o fazia notá-la é o popularesco “charme”. Talvez fosse, mas antes que compreendesse, desistiu de se prender às especulações em busca de um simples conceito.

Entre alguns sorrisos e poucas palavras, conseguiu aproveitar uma pequena ajuda das circunstâncias e fez aquilo que melhor havia sido treinado: manipulou cenários. Conseguiu estar no local certo, na hora certa, quase que acidentalmente. As poucas palavras se transformaram em algumas e, naquela noite, restou a sensação de que novas conversas virão...

*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre os cárceres…

Postado por Abaixo do Radar , sexta-feira, 4 de março de 2011 02:26

"Yes, I'm let loose from the noose..." (Red Hot Chilli Peppers)

As mãos dele conseguiam sentir toda a expressão e a latência do desejo de oportunizar o que já era inerente às suas imaginações. Mal sabia quantas palavras e em que ordem deveria dizê-las para construir o cenário ideal ou, ao menos, acender a chama da provocação no outro lado, afinal, até o jogo mais simples precisa de dois jogadores.

Não era apenas a competitividade que o prendia na linearidade inteligente das frases outrora ditas. Havia muito mais, oculto em suas intenções, talvez moldado por seu modus operandi que desprezava o padrão vigente dos seus similares. Ele sempre preferiu assim: construiu uma forma peculiar de se posicionar e reforçar aquilo que, em essência, é.

Descobriu, ao acaso, que nela havia boas coisas. Também notou que ela compreendia a vida além da produção em série. Entendeu que tal quais tantas outras, havia cansado das mesmas propostas, dos mesmos olhares indecorosos e noites vazias. Estava presa em um sonho de liberdade, encarcerada em algum lugar do qual tinha a chave, mas não encontrava o cadeado.

Ela alternava estados diversos em sua recatada aflição. Ele, de longe, apenas percebia e preenchia cautelosamente suas dúvidas. Dia após dia, desenvolvia um laudo repleto de meandros e curiosidades, lembrando que ainda que o fim seja sempre o mesmo, o caminho pode ser desbravado de melhores maneiras. E desse modo continuou a relatar seus pensamentos...

*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.